O Brasil contabilizou, na quarta-feira (21), 740.942 casos prováveis de dengue, além de confirmar 151 mortes decorrentes da doença, conforme dados disponíveis no Painel de Arboviroses do Ministério da Saúde. E não para por aí: a pasta está em processo de investigação para determinar se outros 501 óbitos podem ser atribuídos à dengue. A dúvida que paira é a seguinte: o que causa esse cenário desastroso?
Segundo informações do Ministério da Saúde, a população feminina representa 55% dos casos prováveis, com a faixa etária mais impactada situada entre adultos de 30 a 39 anos. Em comparação, os homens nessa faixa etária totalizam 63.292 diagnósticos, enquanto as mulheres alcançam 76.370. O coeficiente de incidência da doença atinge 352 casos por 100 mil habitantes.
Já em fevereiro deste ano, em Brasília, foi estabelecido o Centro de Operações de Emergência contra a Dengue, uma iniciativa que reúne representantes do governo federal, estadual e municipal. A finalidade desse centro é analisar dados em tempo real e planejar, de forma colaborativa, estratégias para combater a disseminação da doença.
Desde o ano de 2022 o cenário brasileiro tem se mostrado propício à disseminação da dengue no Brasil, impulsionado por chuvas intensas e prolongadas, conforme destacado por especialistas, como a Codeço. Desde o final de 2021, com o início do verão, diversas cidades brasileiras enfrentaram tempestades frequentes, fenômenos associados ao La Niña e às mudanças climáticas em curso.
Para o mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, as chuvas representam a oportunidade de água parada, ambiente propício para a eclosão de ovos e desenvolvimento de larvas até atingirem a fase adulta. “Normalmente, ao chegar dezembro e percebermos uma concentração significativa do Aedes, já podemos antever dificuldades em março e abril, com um aumento nos casos de dengue“, observa o infectologista Celso Granato, diretor do Fleury Medicina e Saúde.
Contudo, as projeções para esse período foram prejudicadas por duas crises de saúde. O Brasil enfrentou uma epidemia de influenza H3N2, que resultou em um aumento significativo nos casos de gripe, e a disseminação da variante ômicron do coronavírus, contribuindo para recordes nos números de infecção.
“Os sistemas de vigilância da dengue foram severamente comprometidos, dada a atenção quase exclusiva nos últimos dois anos à pandemia de covid-19”, ressalta o médico, também professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A relação entre a diminuição do número de infecções em 2021 e os períodos de isolamento social durante a pandemia de COVID-19 é evidente: a médica Melissa Falcão, da Sociedade Brasileira de Infectologia. Ela salienta que, após a grande epidemia de dengue em 2019, era esperado um novo aumento a partir de 2022, considerando a natureza cíclica das ondas da doença. A informação foi passada para a BBC, em 2022.
Consideremos ainda uma população empobrecida e as dificuldades de moradia, contribuindo para a precarização das cidades. Melissa, coordenadora do InfoDengue, uma iniciativa da FioCruz e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) para o monitoramento de doenças relacionadas ao Aedes, alegou dificuldades no controle dos vetores da doença.
Diante desse panorama, resta outra questão: o que pode ser feito para lidar com essa epidemia?
O que fazer?
O Ministério chegou a iniciar uma distribuição da vacina contra a dengue, tornando o Brasil o primeiro país a disponibilizá-la na rede pública de saúde. No entanto, especialistas alertam para o perigo de relaxar nas medidas de combate ao mosquito, pois a vacina não é uma solução definitiva. Outro desenvolvimento conhecido é o da vacina em fase final de testes do Instituto Butantan, vinculado ao governo de São Paulo, que se configura como uma “aposta adicional” para reforçar a luta contra a doença.
Contudo, a produção limitada do fabricante japonês impede a imunização em larga escala, sendo que, neste momento, apenas crianças de 10 e 11 anos estão sendo vacinadas em áreas mais afetadas pela doença. E é arriscado: a vacina contra a dengue requer duas doses, administradas com um intervalo de três meses, e a proteção efetiva só é alcançada 30 dias após a aplicação da segunda dose. Isso implica que aqueles que se vacinarem agora só estarão plenamente após meses de vacinação.
Em contrapartida, as medidas caseiras, longe das vacinas, são difíceis de serem alcançadas. A dura realidade observada no país destaca um cenário em que milhões de lares enfrentam carências significativas no saneamento básico. Analisando as residências brasileiras, das 74 milhões existentes, quase 9 milhões não têm acesso à rede geral de água.
A situação só piora: quase 17 milhões enfrentam uma frequência insuficiente no fornecimento de água, cerca de 11 milhões carecem de reservatório de água (como caixas d’água), aproximadamente 1,3 milhão não possui banheiro e 22 milhões não contam com coleta de esgoto. Essas estatísticas do estudo divulgado pelo Instituto Trata Brasil, baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continuada Anual (PNADCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), abrangem o período de 2013 a 2022.
Milhões de famílias vivenciam condições sanitárias extremamente precárias. Neste sentido, as famílias tornam-se cada vez mais vulneráveis a problemas de saúde. A falta de infraestrutura adequada, como a ausência de coleta de esgoto e o armazenamento inadequado de recursos hídricos, amplia as chances de acúmulo de água parada, criando um ambiente propício para a proliferação dos mosquitos transmissores da dengue.
Então o obstáculo é óbvio: a ausência de saneamento básico contribui significativamente para o aumento de potenciais criadouros de mosquitos. Em grande parte das cidades brasileiras, depósitos improvisados, usados para armazenar água para consumo próprio, tornam-se os principais criadouros de mosquitos. A falta de água em quantidade e qualidade adequada para as atividades diárias leva a população a acumular água nesses diversos tipos de reservatórios.
Mas, é claro, toda ajuda é bem-vinda. Os esforços individuais e microscópicos têm efeito. Para evitar que as residências se transformem em criadouros do mosquito da dengue, é crucial que a população adote medidas rotineiras.
Exemplos:
- Verificação regular para garantir que as caixas d’água estejam devidamente fechadas;
- Não deixar qualquer depósito de água aberto que possa servir de criadouro;
- Evitar o acúmulo de água parada em pneus e outros recipientes, a descartar de maneira apropriada os resíduos cotidianos para evitar entupimentos e vazamentos;
- Eliminar sempre a água acumulada em vasos de flores e plantas.
Outros dados
Dados também são clarividentes considerando a distribuição geográfica: Minas Gerais lidera com 246.399 casos de dengue, seguido por São Paulo (121.919), Distrito Federal (82.321), Paraná (74.309), Rio de Janeiro (53.400), Goiás (44.134) e Espírito Santo (21.362). Na quarta-feira (21), o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, anunciou em coletiva de imprensa na capital carioca que o estado está sob estado de epidemia de dengue. A formalização do decreto está prevista para ser publicada no Diário Oficial do Estado até esta quinta-feira (22).
Diante do agravamento da situação da dengue, o Ministério anunciou um repasse enorme de R$ 1,5 bilhão para estados e municípios. Esse montante visa fortalecer ações importantes como o atendimento médico, medidas preventivas, controle da doença, aquisição de inseticidas e treinamento de profissionais de saúde, bem como agentes de combate a endemias.
O centro também mantém vigilância sobre a zika e a chikungunya, outras enfermidades transmitidas pelo Aedes aegypti que estão apresentando aumento de casos neste ano. Vale ressaltar que a zika é conhecida por seu impacto no nascimento de bebês com microcefalia.
A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o escritório regional da OMS, alertou nesta terça-feira (20) que o Brasil está enfrentando uma epidemia de dengue localizada em alguns estados, com base nos dados do Ministério. A entidade destaca que, em 2023, houve um aumento global nos casos de dengue, caracterizado por um crescimento expressivo no número, na abrangência e na ocorrência simultânea de múltiplos surtos, afetando regiões anteriormente não impactadas pela dengue.
Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul estão tentando realizar mutirões simultâneos para combater os focos do mosquito Aedes aegypti. Em Campo Grande (MS), agentes realizaram vistorias em residências e removeram entulhos de terrenos baldios. Adélcio Santos da Silva, subtenente da Defesa Civil de MS, destaca a importância da coordenação entre os estados: “Se há um combate em determinado estado e o outro não, o vetor acaba migrando. Então, fazendo essa blindagem, a gente tem uma medida mais eficaz no combate ao vetor transmissor.”
O infectologista Carlos Starling ressalta que a subnotificação é significativa: “Os dados epidemiológicos de anos anteriores mostram que, para cada caso de dengue notificado, nós temos de quatro a seis não notificados. Por isso, a situação certamente, do ponto de vista real, é pior do que os números mostram.” Já a ministra da Saúde, Nísia Trindade, reuniu-se na noite de segunda-feira (19) com os agentes de combate a endemias e comentou sobre a situação da dengue no Brasil:
“Onde ela se apresenta com esse pico explosivo de casos, aconteceu muito cedo. Isso tem a ver com vários fatores, como mudança climática, chuva e circulação dos sorotipos de dengue.”
A dengue
Os sintomas da dengue incluem febre alta, manchas vermelhas no corpo e dores intensas nas articulações, corpo, cabeça e atrás dos olhos. O vírus pode levar à perda de líquido do sangue para outras partes do corpo, resultando em hemorragias nos casos mais graves, podendo ser fatal. A perda de líquido sanguíneo também pode causar uma redução na pressão arterial, levando ao colapso de diversos órgãos e, eventualmente, à morte.
Diante disso, médicos enfatizam a importância de evitar medicamentos anticoagulantes, como a aspirina, e incentivam o consumo abundante de água, além de buscar atendimento em um posto de saúde ao manifestar sintomas de dengue.
O Brasil está enfrentando outros focos epidêmicos localizados, e desde 2023 tem coordenado uma série de ações para lidar com as arboviroses em todo o país. O infectologista Júlio Croda, da Fiocruz, destaca a gravidade da situação devido aos números elevados já no início do ano: “Nós superamos os casos de dengue com dois meses de antecedência quando comparamos com o pico de 2023, que ocorreu entre abril e maio.”
Especialistas consideram uma situação epidêmica quando o número de infecções da dengue ultrapassa 300 por cada 100 mil habitantes. Este é o caso no DF, com 2.874 casos por 100 mil habitantes, e em Minas Gerais, com 1.132. Outros estados que integram essa lista incluem Acre, Paraná, Goiás, Espírito Santo e Rio de Janeiro.
Felizmente, existem também outros métodos que estão sendo conhecidos para o controle da doença. Além das abordagens convencionais, existem técnicas suplementares que se apresentam como uma perspectiva promissora, destacando-se no Brasil o método Wolbachia, promovido pela Fiocruz.
Funciona assim: a Wolbachia é uma bactéria presente na maioria dos insetos, como abelhas e borboletas, abrangendo cerca de 60% das espécies. No entanto, ela não é naturalmente encontrada no Aedes aegypti, o mosquito transmissor da dengue. Aí está o pulo do gato: ao ser implantada no Aedes aegypti, a bactéria Wolbachia demonstra a notável capacidade de impedir que o mosquito transmita doenças como Dengue, Zika e Chikungunya, mesmo quando o vírus está presente em seu organismo.
Estudos mais recentes indicam que essa técnica também inibe a transmissão da febre amarela, outra doença disseminada pelo mesmo vetor. Essa abordagem até oferece uma perspectiva promissora no enfrentamento das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. No entanto, a disciplina nas ações rotineiras, exemplificadas na matéria, ainda são nossa luz no fim do túnel.