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Ceará registra mais de 16 mil focos de queimadas em cinco anos, com apenas quatro multas aplicadas

Superintendência Estadual do Meio Ambiente admite que número de multas aplicadas é baixo em relação à quantidade de focos de incêndio. No entanto, nem toda queimada é criminosa.

Queimadas no Ceará — Foto: Thiago Gadelha/SVM

Queimadas no Ceará — Foto: Thiago Gadelha/SVM

Ceará aplicou quatro multas por queimadas entre 2020 e 2024, conforme a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). No mesmo período, o estado teve 16.581 focos de incêndio, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Apesar do número elevado, é preciso ressaltar que nem todo foco de incêndio é fruto de ação criminosa.

O número de queimadas no Brasil vem gerando preocupação das autoridades. No último dia 17, o governo federal apresentou uma série de medidas para combater e prevenir incêndios florestais e combater os impactos da seca e das queimadas que assolam o país. No Ceará, a Semace, órgão estadual que aplica as multas, considerou baixo o número de autuações desse caso.

“Consideramos baixa a quantidade de autuações, tendo em vista a grande quantidade de focos de incêndio identificados no Ceará. A principal dificuldade, nesse tipo de situação, é a comprovação da autoria, ou seja, quem foi o responsável pelo fato”, disse a diretora de fiscalização da Semace, Carolina Braga.

A disparidade entre os números também é vista no valor arrecadado pelo estado com as multas nos últimos cinco anos. As quatro aplicações somaram R$ 12.933,77. No entanto, apenas R$ 1.500 foram pagos, relativos a dois autos de infração.

O Ceará teve 751 focos de queimadas até 9 de setembro de 2024. Provocar incêndio em floresta ou outras áreas de vegetação é crime, conforme a Lei de Crime Ambiental. A pena para a infração pode ser reclusão, de dois a quatro anos, e multa. Se o crime é culposo, ou seja, não-intencional, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa.

A Semace explicou que é comum que as equipes tenham conhecimento apenas de vestígios, o que leva à atuação pela supressão. “Para a atuação da Semace diante desse tipo de infração (queimadas) a legislação exige que seja demonstrado o nexo causal entre a ação ou omissão do proprietário ou responsável pelas áreas e a ocorrência do fogo”, disse a diretora de fiscalização.

“É indispensável comprovar a culpa da parte autuada, isto é, que o suposto infrator deu causa à queimada ou incêndio, ou que tenha se omitido do dever de prevenção ou combate ao incêndio. Se não houver constatação nesse sentido, ainda que a ocorrência da queimada seja verificada, o auto de infração ambiental poderá ser declarado nulo”, concluiu.

Uso do fogo

Para Kurtis Bastos, coordenador do PrevFogo do Ibama no Ceará, é necessário discutir, em vários níveis, o uso do fogo no estado, especialmente na agricultura. “Se tem agricultor que faz uso do fogo, e ele faz isso porque ele tem que plantar, então você tem que sentar com esse agricultor e ver que melhores condições pode se fazer. Inicialmente pode ser dada a queima controlada e depois pensar em mudanças”, comentou Kurtis.

“Porque o agricultor vai ter condição de fazer a sua autorização de queima controlada, porque ele se responsabiliza pela queimada. Todo agricultor, quando você conversa com ele, ele faz de tudo para que o fogo não saia de controle”, destacou.

O Prevfogo é a principal estrutura federal no país com atuação tanto na questão do combate direto aos incêndios florestais e queimadas não autorizadas, quanto na indução de mudança da cultura do uso do fogo na agricultura.

O órgão trabalha, entre outras coisas, com o intuito de estabelecer uma rotina de rondas para inibir o início de queimadas não autorizadas e coletar informações locais que sirvam de base para a elaboração de planos operativos de prevenção e combate aos incêndios e queimadas não autorizadas.

“A nossa agricultura, feita por produtores ou por pequenos agricultores, ainda tem o fogo como ferramenta de limpeza diária para plantio. A grande questão é quando você faz política de desenvolvimento agrário e não coloca o fogo na equação. Quando você incentiva mais plantio, você incentiva também mais queimada”, comentou Kurtis.

“Então quando você faz política de desenvolvimento agrário, você tem que colocar o fogo nessa equação. E aí, começar a trabalhar com políticas para reduzir o uso do fogo da agricultura. E como é que se trabalha com o fogo da agricultura? Colocando tecnologia ao nível do agricultor”, explicou.

g1 entrou em contato com o Corpo de Bombeiros Militares do Ceará para comentar sobre as queimadas no estado, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

“Vamos ter que separar duas coisas: o que é a queimada feita pelo agricultor e o que são incêndios florestais. A queimada, ela é passiva de multa, porque ela exige que o agricultor peça uma autorização de queima controlada. Quando faz a autorização de queima controlada, você separa o joio do trigo”, orientou Kurtis.

“Tendo incêndio florestal, a primeira coisa que tem que ser feita é buscar saber quem foi o responsável do incêndio florestal, abrir o boletim de ocorrência, exigir perícia na área e que se faça multa de criminalismo. Porque aí é crime de incêndio florestal”, reforçou.

O biólogo Diego Costa elencou os diversos problemas que podem se originar a partir das queimadas. O uso do fogo pode impactar na fauna, na flora, e até na saúde pública entre os seres humanos. “São muitos os impactos. O primeiro deles, que é o principal, é a destruição dos recursos naturais e a perda da biodiversidade. Então você tem a destruição de florestas, a destruição da flora e isso também acarreta a destruição da fauna associada a essa vegetação”, comentou.

“Além de todos esses problemas, você também tem, em regiões de florestas, regiões de áreas naturais, inúmeros vírus, bactérias e outros agentes infecciosos que vivem hospedados em animais como mamíferos, répteis e aves. Esses agentes infecciosos deveriam estar circunscritos somente a essas áreas”, disse Diego, que é doutorando na Universidade Federal de Pernambuco.

“Então, quando você tem uma degradação ambiental, como o desmatamento e como as queimadas, você tem uma aproximação da sociedade, da espécie humana, a esses animais que são hospedeiros desses agentes infecciosos. Então, a gente pode dizer que elas causam risco para a saúde pública, visto que esses agentes infecciosos que vivem há milhares de anos nessas áreas naturais podem acabar pulando para o ser humano”. complementou.

Diego apontou ainda para o impacto específico na caatinga, ecossistema quase exclusivamente brasileiro. “Há ali uma quantidade de flores, um número de espécies de plantas e de animais que são exclusivos da caatinga, que você não vai encontrar em nenhum lugar do mundo”, pontuou.

“Então, quando esse fogo atinge essas áreas, você tem uma perda gigantesca do ponto de vista ecológico, do ponto de vista ambiental. E devido ao clima já ser semiárido, você tem uma dificuldade de recuperação dessa área”, explicou.

“Então, eu acredito que nessa frente, o ideal é educação ambiental. O governo local, os municípios, junto a outros agentes, deve realizar ações de educação ambiental e prover o que for necessário para que essas comunidades deixem de usar o fogo”, avaliou o biólogo.

Educação ambiental

Queimadas Ceará — Foto: Fabiane de Paula/SVM

Queimadas Ceará — Foto: Fabiane de Paula/SVM

Para ampliar as discussões e práticas de educação ambiental, a Associação Caatinga trabalha no Ceará há 26 anos. A entidade atua na proteção da Caatinga e no fomento ao desenvolvimento local sustentável, com comunidades rurais do semiárido, abordando os efeitos do aquecimento global por meio de um modelo integrado de conservação do bioma.

“A educação ambiental é fundamental para a questão do combate ao fogo, do enfrentamento às mudanças climáticas, porque as queimadas estão também diretamente ligadas a esse clima que ele está mudando”, declarou Cássia Pascoal, diretora de educação ambiental da Associação Caatinga.

“Então, a educação ambiental envolve tanto a questão da conscientização relacionada ao uso do fogo, existe o manejo integrado do fogo, que envolve a parte da conscientização, e a conscientização voltada para a preservação do bioma”, explicou.

Cássia explicou que, voltada à questão da agricultura, a educação ambiental pode acontecer a partir da disseminação de novas práticas agrícolas, como o uso de tecnologias socioambientais, a adoção da agroecologia e outras práticas agrícolas.

“Quais são essas práticas agrícolas mais sustentáveis de cuidar do meio ambiente? Adubação verde, que é a substituição de adubação química por uso de plantas leguminosas e outros tipos de plantas para adubar o terreno e fortalecer aquele terreno, utilização de fertilizantes biológicos, de práticas de harmonia entre o ser humano e a natureza. A meu ver, é a alternativa viável para a gente conseguir produzir alimentos saudáveis e cuidar da natureza.

Associação Caatinga promove ações voltadas à educação ambiental, no Ceará. — Foto: Associação Caatinga/Reprodução

Associação Caatinga promove ações voltadas à educação ambiental, no Ceará. — Foto: Associação Caatinga/Reprodução

Cássia também citou estratégias como a adoção de sistemas agroflorestais, reflorestamento e sistemas de bioágua (reutilização dos líquidos). Ela disse que as ações de educação ambiental são voltadas tanto para comunidades rurais quanto para crianças e comunidades urbanas.

“Quando a gente leva essa temática para as comunidades rurais, agricultores, agricultoras, a gente faz a disseminação das tecnologias sociais, que são tecnologias alternativas que utilizam os recursos naturais de forma mais otimizada”, disse.

“Voltado para jovens, crianças, escolas, a gente tem uma atuação com atividades lúdicas, teatro de fantoches, criação de jogos interativos com as crianças, onde a gente consegue abordar essa temática de conservação do meio ambiente, de preservação dos solos”, complementou.

Cássia revelou que, em alguns momentos, o trabalho da associação encontra resistência de alguns agricultores em aprender novas técnicas, mas o diálogo é usado para seguir com a conscientização.

“Como dizia Paulo Freire, todo mundo tem um saber, ninguém sabe mais, ninguém sabe menos. Existem saberes tradicionais, muitas vezes passados, de geração em geração, e para a gente, às vezes, desconstruir práticas que hoje são nocivas ao meio ambiente, a gente precisa sempre trabalhar nesse diálogo da alternativa, de somar os saberes”, comentou.

“Então, quando a gente difunde essas novas técnicas, a gente valoriza os saberes das comunidades, dos agricultores, faz a reflexão sobre aquele tipo de tecnologia, aquele tipo de prática, e como é que essa tecnologia social, essa nova prática de cuidado com o meio ambiente, vai trazer benefícios para o próprio agricultor e a agricultora, sua família, sua comunidade”, destacou.

Por Samuel Pinusa, g1 CE

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