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O outono terminou nessa segunda-feira (21) com menos chuvas do que a média nos principais reservatórios que abastecem a região metropolitana de São Paulo. No Sistema Cantareira choveu 53,7% a menos do que a média histórica, de acordo com dados da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).
Com isso, o reservatório termina a estação com um volume 6,5% menor do que no início da estação, em 20 de março. No primeiro trimestre deste ano, o volume de chuva na região que abastece o Sistema Cantareira foi o mais baixo desde o final da crise hídrica, em 2016, e ficou abaixo do registrado no primeiro trimestre de 2013 (leia mais abaixo).
Outros reservatórios que abastecem a região metropolitana de São Paulo também tiveram déficit de chuvas em relação às médias históricas do outono. O Alto Tietê termina o outono com um volume de água 6,5% menor do que no início da estação e o Guarapiranga, com 12,3% menos água.
A estiagem nas estações outono e inverno são esperadas, já que é um período tradicionalmente mais seco. O problema é que o verão do início deste ano também foi mais seco em relação à média histórica e os reservatórios começaram o período menos chuvoso com menos água armazenada.
A tendência é a de que a primavera e o verão deste ano também sejam mais secos, de acordo com prognóstico feito pelo pesquisador Pedro Luiz Côrtes, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP. O risco, de acordo com ele, é de crise de abastecimento em 2022.
“Conforme prognosticado, o outono foi uma estação muito mais seca do que o normal. Essa tendência se mantém para o segundo semestre e reforça a necessidade de economizarmos água e energia elétrica”, afirma Côrtes.
Além da falta de água nas torneiras de casa, da conta de luz mais cara e do risco de apagão, a seca pode ter impactos significativos na economia brasileira.
Os paulistanos já tiveram a oportunidade de vivenciar uma crise hídrica com racionamento e desabastecimento de água entre 2014 e 2015. No final de maio de 2014, o volume do Sistema Cantareira atingiu 3,6% de sua capacidade, e a Sabesp passou a operar bombeando água do chamado volume morto.
Trata-se de uma reserva com 480 bilhões de litros de água situada abaixo das comportas das represas do Cantareira. Até então, essa água nunca tinha sido usada para atender a população. Em outubro do mesmo ano, o volume do Cantareira chegou a 3,6%.
Só o Cantareira abastece, por dia, cerca de 7,5 milhões de pessoas, ou 46% da população da Região Metropolitana de São Paulo, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), órgão que regulamenta o setor.
No primeiro trimestre deste ano, o volume de chuva na região que abastece o Sistema Cantareira foi o mais baixo desde o final da crise hídrica, em 2016, e ficou abaixo do registrado no primeiro trimestre de 2013.
Há pelo menos 10 anos o Cantareira tem tido déficit no volume de água armazenado. Em 2010, o sistema operava com 99,6% de sua capacidade, em média. De lá para cá, muitas obras foram feitas pela Sabesp e o Cantareira passou a ser abastecido por mais fontes, mas, mesmo assim, o armazenamento só cai. Em 2020, a média foi de 64,3%,
Nos últimos 10 anos, somente em 2015 o Sistema Cantareira apresentou superávit de chuvas em relação à média histórica. Em todos os outros anos houve déficit de chuvas.
Nos anos de 2010 e 2011, por exemplo, o nível ascendia para valores acima de 90%. Depois da crise hídrica, ele mal ultrapassa os 60% de volume armazenado, mesmo contando com uma fonte adicional e um sistema de gestão mais econômico feito pela Sabesp.
Em nota, a Sabesp disse que não há risco de desabastecimento na região metropolitana de São Paulo neste momento, mas não respondeu se há risco em 2022.
A Companhia informa que a queda no nível das represas é normal nesta época do ano devido ao período de estiagem e ao volume baixo de chuvas, e a projeção da Companhia aponta níveis satisfatórios para passar pela estiagem (até setembro).
Desde a crise hídrica de 2014 e 2015, a Companhia realizou uma série de obras que também permitiram diminuir a dependência do Cantareira. Leia a nota completa no final dessa reportagem.
O déficit de chuvas não ocorre apenas na região metropolitana de São Paulo. Cinco estados brasileiros, entre eles São Paulo, enfrentam o que já é considerada a pior seca em 91 anos, de acordo com um comitê de órgãos do governo federal, que emitiu pela primeira vez na história um alerta de emergência hídrica para o período de junho a setembro.
O déficit de chuvas atual já é considerado severo, segundo Sistema Nacional de Meteorologia (SNM), que representa o comitê de órgãos do governo federal. O alerta emitido vale para os estados que se localizam na bacia do Rio Paraná: São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná.
Na região central do Brasil, em hidroelétricas como Serra da Mesa, Emborcação, Furnas e Nova Ponte, a quantidade de água caiu consideravelmente nos últimos oito a dez anos. Essas hidroelétricas têm operado com um nível médio mais baixo do que aquele verificado antes de 2012.
Na hidroelétrica Nova Ponte, por exemplo, a média de volume de água armazenado era de 80,3% da capacidade entre 2005 a 2013. Já de 2013 a 2021, a média é de 27,2%.
De acordo com Côrtes, os reservatórios da região central do Brasil não conseguem armazenar o mesmo volume de água há cerca de dez anos por causa do déficit de chuvas.
“Quando o governo federal determinou a redução da tarifa elétrica em 2012, grandes hidroelétricas geraram energia mais intensamente, pois essa é a fonte com menor custo. Isso fez com que o nível médio ficasse mais baixo. Depois disso, esses reservatórios não conseguiram recuperar o seu nível devido à redução no volume de chuvas na região central do Brasil. Essa redução é reflexo do desmatamento da Amazônia, que acaba diminuindo a umidade atmosférica distribuída para a região central e sul do país”, afirma Côrtes.
A umidade da Amazônia é distribuída por ventos chamados alísios na região central do Brasil e causam chuvas. Esses ventos vêm da região equatorial do Oceano Atlântico.
Eles trazem a umidade do oceano no sentido leste a oeste e, chegando na Amazônia, essa umidade se precipita em forma de chuva. Essa chuva hidrata o solo e é absorvida pelas raízes mais profundas das grandes árvores, que são essenciais nesse processo.
As árvores drenam a umidade e por meio da transpiração, devolvem a umidade para o ar, de forma que o ciclo de umidade e chuva vai se repetindo levada pelos ventos.
Depois de passarem pela Amazônia e se “recarregarem” com a umidade da floresta, os ventos seguem o caminho em direção à Cordilheira dos Andes. Ao se encontrarem com a formação rochosa do local, “fazem a curva” em direção à região central do Brasil, chegando ao Sudeste e Sul.
Mesmo que a floresta seja restaurada, demora-se anos para que as árvores criem raízes profundas para desempenhar o mesmo papel das que vem sendo devastadas. Uma plantação de soja não desempenha o mesmo papel da floresta nativa.
A situação é preocupante. A taxa anual de desmatamento da Amazônia, calculada via monitoramento de satélite pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (taxa Prodes), voltou a crescer a partir de 2015, saltando para mais de 11 mil quilômetros quadrados em 2020.
Além do desmatamento na Amazônia, outros dois fenômenos explicam a redução de chuvas no Brasil Central: o aquecimento global e o fenômeno La Niña. Atualmente o aquecimento global é causado principalmente por emissões da queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural.
Calcula-se que 83% de todos os gases de efeito estufa lançados na atmosfera vêm da queima de combustível fóssil e 17% das emissões globais vêm de desmatamento de florestas tropicais.
O La Niña é um fenômeno que, ao contrário do El Niño, diminui a temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico tropical central e oriental. Mas, assim como o El Niño, gera uma série de mudanças significativas nos padrões de precipitação e temperatura no planeta.
O que acontece é que o La Niña muda o padrão de ventos na região equatorial, que se tornam mais ou menos intensos, e isso muda a chegada das frentes frias da região sul em direção a São Paulo.
Assim, o fenômeno reduz as chuvas na porção Sul do Brasil, e isso pode ter repercussão em São Paulo dependendo de sua intensidade. Ao mesmo tempo, o La Niña leva mais chuva ao Norte e ao Nordeste. Em 2021, especificamente, isso já vem ocorrendo com intensidade maior no Norte, de acordo com Côrtes.
A Sabesp informa que a queda no nível das represas é normal nesta época do ano devido ao período de estiagem e ao volume baixo de chuvas, e a projeção da Companhia aponta níveis satisfatórios para passar pela estiagem (até setembro).
Desde a crise hídrica de 2014 e 2015, a Companhia realizou uma série de obras e ações que permitiram à Região Metropolitana de São Paulo passar por períodos de estiagem severa sem problemas no abastecimento, como também foi em 2018.
As principais obras são a Interligação Jaguari-Atibainha (que traz água da bacia do Rio Paraíba do Sul para o Cantareira) e o novo Sistema São Lourenço, ambas em operação desde 2018. Atualmente, também está em andamento a interligação do rio Itapanhaú para reforçar a segurança hídrica na Região Metropolitana de SP, com início de operação no fim de 2021 transferindo 400 litros por segundo (l/s) desse rio para o Sistema Alto Tietê. Até julho de 2022, serão transferidos em média 2,0 mil l/s.
A Região Metropolitana de SP é abastecida por um sistema integrado composto por Cantareira, Alto Tietê, Guarapiranga, Cotia, Rio Grande, Rio Claro e São Lourenço.
Essa integração permite transferências de água entre regiões e dá mais segurança ao abastecimento, graças às obras e outras intervenções realizadas pela Sabesp nos últimos anos que também permitiram diminuir a dependência do Cantareira.
Não há risco de desabastecimento neste momento na Região Metropolitana de São Paulo, e a Sabesp reforça a necessidade do uso consciente da água por todos, em qualquer época do ano.
Por Bárbara Muniz Vieira, G1 SP — São Paulo