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O processo de desindustrialização da economia brasileira se acentuou com a pandemia do novo coronavírus. Levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) mostra que a participação do setor manufatureiro no PIB (Produto Interno Bruto) atingiu novas mínimas históricas e que a indústria continua perdendo protagonismo na economia brasileira.
O peso da indústria de transformação (que reúne todo o setor manufatureiro) caiu de 11,79% do PIB em 2019 para 11,30% em 2020, se mantendo nesse patamar no 1º trimestre de 2021. Trata-se do menor percentual desde 1947, ano em que se inicia a série histórica das contas nacionais calculadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A série mostra que a indústria vem sofrendo um retrocesso quase contínuo desde o início dos anos 2000, evidenciando tanto as dificuldades de competitividade como também de recuperação das perdas provocadas pela crise da Covid-19. No melhor momento, em 1985, o peso do setor manufatureiro chegou a 24,5% do PIB. Ou seja, de lá para cá a participação encolheu para menos da metade de sua máxima histórica.
Já a participação da indústria geral (que inclui também extrativa, construção civil e atividades de energia e saneamento) no PIB caiu de 21,4% em 2019 para 20,4% em 2020 e nos 3 primeiros meses deste ano – também nova mínima.
O levantamento, elaborada pela economista Silvia Matos, mostra a evolução da participação dos diferentes setores no PIB brasileiro, excluídos os impostos, utilizando a metodologia de preços correntes corrigidos.
A perda de relevância da indústria no PIB é um fenômeno mundial e estrutural. Nas últimas décadas, em diversos países do mundo, a diminuição do peso do setor manufatureiro tem sido acompanhada por um avanço de setores de serviços destinados a atender uma demanda cada vez maior por atividades como serviços de tecnologia e informação, serviços pessoais, de saúde e educação.
No Brasil, no entanto, o processo de desindustrialização tem sido há tempos classificado como “prematuro”, por se dar numa velocidade mais rápida do que a verificada em outras economias e por ocorrer antes de o país ter atingido um maior nível de desenvolvimento e de renda per capita. Os economistas destacam também que os serviços que mais crescem no país costumam empregar profissionais com pouca especialização e baixos salários.
“O que tem de novidade na pandemia é que o agronegócio vem ganhando protagonismo como a gente nunca viu. Tudo caiu, só o agro se beneficiou, ficando praticamente imune à crise na maioria dos países. O mundo continuou demandando muito alimentos, teve um boom de commodities e é um setor que continua inovando muito, com adoção de tecnologias”, afirma a pesquisadora do Ibre/FGV.
O levantamento mostra que o setor de serviços – o mais afetado pelas medidas de restrição para conter a propagação do coronavírus – viu seu peso no PIB cair de 73,5% em 2019 para 71,7% no 1º trimestre de 2021. Já a participação do agronegócio saltou no mesmo período de 5,1% para 7,9% – maior percentual trimestral desde 1996.
Na avaliação da pesquisadora do Ibre, o agronegócio tende a continuar sendo favorecido pela forte e crescente demanda mundial por alimentos como soja, milho e carnes. Mas, com o avanço da vacinação e o gradual fim das medidas de restrição, a tendência é que o setor de serviços volte a recuperar rapidamente uma boa parte da fatia perdida no PIB.
“O setor de serviços foi o que mais sofreu. O país parou de consumir serviços. Então, acabando a pandemia, o natural é que o setor volte a crescer”, afirma Matos.
Já para a indústria os desafios são maiores, uma vez que não dependem apenas da reabertura total da economia e da recuperação da demanda interna, mas também do enfrentamento de questões estruturais que se arrastam há anos e de problemas novos como falta de insumos, inflação elevada e aumento do custo do crédito em meio à elevação da taxa básica de juros.
Matos lembra que a continuidade do processo de desindustrialização durante a pandemia se deu mesmo diante de alguns fatores que beneficiaram segmentos manufatureiros. A forte desvalorização do dólar no ano passado favoreceu as exportações e as mudanças na cesta de consumo dos brasileiros durante a quarentena, por exemplo, impulsionaram as vendas de produtos como material de construção, eletrodomésticos e móveis.
“O resultado da indústria poderia ser até pior”, afirma a pesquisadora, acrescentando que segmentos relacionados ao agronegócio como indústrias de alimentos processados e de máquinas também se deram bem, na contramão da economia e da média do setor.
Pesquisa mensal do IBGE mostrou que a produção industrial brasileira voltou a crescerem maio, após 3 meses consecutivos de queda, mas que o setor ainda eliminou as perdas dos meses de fevereiro, março e abril.
Dos 26 setores acompanhados pelo IBGE, 13 setores, ou seja, metade deles, ainda se encontram abaixo do pré-pandemia.
Estudo recente divulgado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) mostrou que a parcela da manufatura no PIB brasileiro em 2020 ficou 4,7 pontos percentuais (p.p.) abaixo da média global em 2020 e 2,1 p.p. ao excluir a China da média mundial.
“Desde o início do século XXI, o grau de industrialização brasileiro tem sido menor que da economia mundial e essa diferença vem aumentando. Em síntese, é um retrocesso de longo prazo que reforça a tese de que se trata de um problema estrutural com vários componentes – entre eles o Custo Brasil – e não circunscrito a apenas um governo”, destacou o Iedi.
A recuperação de um maior protagonismo da indústria na economia é apontada como essencial para o país alcançar maiores taxas de crescimento do PIB e níveis mais elevados de desenvolvimento, uma vez que produtos industriais são os que mais possuem ramificações e conexões com múltiplos setores e pela capacidade de reduzir custos e agregar valor a produtos básicos e por seu papel ofertante e demandante de tecnologias e inovação.
Para Matos, no entanto, mais importante do que elevar o percentual de participação da indústria no PIB, é buscar ganhos de produtividade e uma maior eficiência e competitividade da economia brasileira como um todo.
“O importante é ser eficiente, não importa em qual setor. Mas a produtividade do Brasil é inferior a de lá de fora em todos os setores, e a indústria sofre mais porque é um segmento intensivo em capital e cada vez mais também em tecnologia e mão de obra qualificada, e isso é uma carência do Brasil”, afirma a economista.
Na contramão do setor manufatureiro, a Audaces é exemplo raro de indústria brasileira que tem conseguido crescer mesmo durante a pandemia.
A empresa de Santa Catarina desenvolve softwares e produz maquinários para outras indústrias, sobretudo para o segmento têxtil, e registrou um crescimento de 20% no faturamento em 2020. Com o aumento do número de clientes, o número de funcionários que era de 170 antes do início da pandemia aumentou para 200.
A estratégia é focada na inovação e no desenvolvimento de produtos e soluções que ajudam outras empresas a reduzir custos, automatizar processos e melhorar a eficiência na indústria de moda.
A empresa nasceu em 1992 atuando apenas no desenvolvimento de softwares e, desde 2000, se transformou também em indústria. Atualmente, possui mais de 15 mil clientes em mais de 70 países.
A companhia fabrica máquinas digitais e automáticas para confecções têxteis, e desenvolveu também uma plataforma de gestão com tecnologias que integram desde a etapa de criação de peças e moldes até o controle da ordem de produção, permitindo que dados sejam enviados remotamente, até mesmo de fora da fábrica, para os equipamentos de corte automatizados.
“Não é só uma máquina que corta sozinha. Temos clientes que conseguiram reduzir em mais de 30% o seu tempo de criação de coleção e uma redução de mais de 20% do consumo de tecidos”, afirma o diretor executivo Matheus Fagundes. “Quando tem uma crise, as empresas acabam olhando para dentro, como podem se tornar mais eficiente. Então, neste momento, a gente acaba ganhando espaço e as nossas soluções têm ajudado também a indústria a se tornar mais 4.0”.
“Não importa quanto a indústria vai ter de participação no PIB. A indústria vai ganhar mais protagonismo se for mais eficiente, não com protecionismo ou subsídio. Por isso, a agenda precisa ser pró-produtividade, de melhora do ambiente de negócios, de reforma tributária, de melhoria da educação e de adoção de tecnologias”, resume Matos.
Por Darlan Alvarenga, G1