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Cinco estados brasileiros, entre eles São Paulo, enfrentam o que já é considerada a pior seca em 91 anos, de acordo com um comitê de órgãos do governo federal, que emitiu pela primeira vez na história um alerta de emergência hídrica para o período de junho a setembro. Mas por que tem chovido menos?
De acordo com especialistas, três fenômenos explicam a falta de chuvas no Brasil:
Além da falta de água nas torneiras de casa, da conta de luz mais cara e do risco de apagão, a seca pode ter impactos significativos na economia brasileira, de acordo com o cientista Paulo Artaxo, doutor em física atmosférica pela Universidade de São Paulo (USP) e estudioso da Amazônia há 37 anos.
“Estamos em uma trajetória que está colocando em xeque a economia brasileira. A economia quase que exclusivamente baseada em carne e soja pode não ser mais viável em 10 anos. Qual é o futuro do Brasil que queremos? O futuro como exportadores de carne e soja está comprometido. Queremos um país com riscos de vulnerabilidade tão fortes, que pode quebrar com uma seca? Além disso, se os países não pararem de queimar combustível fóssil, o Brasil está perdido”, afirma.
O déficit de chuvas atual já é considerado severo, segundo Sistema Nacional de Meteorologia (SNM), que representa o comitê de órgãos do governo federal. O alerta emitido vale para os estados que se localizam na bacia do Rio Paraná: São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná.
No caso de São Paulo, o paulistano ainda tem fresco na memória o que foi o desabastecimento de água na capital de 2014 a 2015. No final de maio de 2014, quando houve crise hídrica, o volume do Sistema Cantareira atingiu 3,6% de sua capacidade, e a Sabesp passou a operar bombeando água do chamado volume morto.
Trata-se de uma reserva com 480 bilhões de litros de água situada abaixo das comportas das represas do Cantareira. Até então, essa água nunca tinha sido usada para atender a população.
Em outubro do mesmo ano, o volume do Cantareira chegou a 3,6%.
Só o Cantareira abastece, por dia, cerca de 7,5 milhões de pessoas, ou 46% da população da Região Metropolitana de São Paulo, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), órgão que regulamenta o setor.
No primeiro trimestre deste ano, o volume de chuva na região que abastece o Sistema Cantareira foi o mais baixo desde o final da crise hídrica, em 2016, e ficou abaixo do registrado no primeiro trimestre de 2013.
As chuvas de verão são importantes para garantir a recarga dos mananciais e, assim, haver água suficiente para atravessar os meses mais secos do ano.
Por isso é preocupante que tenha chovido pouco nos primeiros meses de 2021, de acordo com análise de Pedro Luiz Côrtes, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo (USP).
Há risco de haver nova seca e crise de abastecimento em 2022, já que teremos uma redução das chuvas com o início do período de estiagem. A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) nega haver possibilidade de desabastecimento.
Neste domingo (13), o Cantareira operava com 46,6% de sua capacidade, menos de dez pontos percentuais do que foi registrado no mesmo dia de junho de 2013, pré-crise hídrica.
Entenda os fenômenos que afetam o volume de chuvas:
Sim, o desmatamento da Amazônia é uma das causas para chover menos na região central do Brasil, inclusive no estado de São Paulo. Uma das provas disso aconteceu em agosto de 2019, quando uma chuva preta caiu na capital paulista e o dia “virou noite”.
Na época, o Climatempo disse que a fumaça proveniente de queimadas na região amazônica, dos estados do Acre e Rondônia e da Bolívia, chegou a São Paulo pela ação dos ventos, o que causou a chuva preta e a escuridão na capital.
Esses ventos que muitas vezes trazem chuva para São Paulo vêm da região equatorial do Oceano Atlântico e são chamados de ventos alísios.
Eles trazem a umidade do oceano no sentido leste a oeste e, chegando na Amazônia, essa umidade se precipita em forma de chuva. Essa chuva hidrata o solo e é absorvida pelas raízes mais profundas das grandes árvores, que são essenciais nesse processo.
As árvores drenam a umidade e por meio da transpiração, devolvem a umidade para o ar, de forma que o ciclo de umidade e chuva vai se repetindo levada pelos ventos, de acordo com Cortês, da USP.
“A soja ou a pastagem, por exemplo, não têm raízes profundas e não conseguem desempenhar o mesmo papel. Com a intensificação do desmatamento, a floresta corre o risco de entrar em um ciclo em que perde a capacidade de manutenção da umidade atmosférica e esse processo pode tornar-se irreversível”, explica.
Depois de passarem pela Amazônia e se “recarregarem” com a umidade da floresta, os ventos seguem o caminho em direção à Cordilheira dos Andes. Ao se encontrarem com a formação rochosa do local, “fazem a curva” em direção à região central do Brasil, chegando ao Sudeste e Sul.
Por onde passam, esses ventos, se forem úmidos, trazem chuva – daí o nome popular de rios voadores para o que os cientistas chamam de Ventos de Zona de Convergência do Atlântico Sul.
Porém, com cada vez menos árvores na Amazônia, há cada vez menos umidade para os ventos “transportarem” e cada vez menos chuva no Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
Mesmo que a floresta seja restaurada, demora-se anos para que as árvores criem raízes profundas para desempenhar o mesmo papel das que vem sendo devastadas. Uma plantação de soja não desempenha o mesmo papel da floresta nativa.
A situação é preocupante. A taxa anual de desmatamento da Amazônia, calculada via monitoramento de satélite pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (taxa Prodes), voltou a crescer a partir de 2015, saltando para mais de 11 mil quilômetros quadrados em 2020.
“O que tem acontecido é que os ventos continuam soprando, mas geram menor quantidade de chuvas na região central e isso tem afetado reservatórios como Serra da Mesa, Furnas, Emborcação e Itumbiara. São reservatórios que estão com níveis baixos e isso não é uma situação sazonal ou eventual, isso já vem acontecendo nos últimos 8 a 10 anos”, afirma Côrtes.
Prejuízo
Um estudo publicado em maio deste ano na prestigiada revista científica Nature Communications por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e outras fez um cálculo usando as áreas desmatadas no sul da Amazônia para saber o quanto isso reduziu a precipitação de chuvas e quanto trouxe de prejuízo.
Trata-se da região que mais sofreu com a expansão agrícola e madeireira no país e que concentra a maior parte das terras cultiváveis e de pastagens da região.
O estudo demonstrou que o avanço do desmatamento da Amazônia é economicamente prejudicial para a agricultura da região, já que a prática reduz o volume anual de chuvas, essencial para as plantações. O prejuízo chega a U$ 1 bilhão por ano.
Segundo os pesquisadores, essa redução avança de tal modo que, em breve, se nada for feito, poderá inviabilizar o lucrativo sistema de dupla safra hoje praticado na região.
O aumento global da temperatura e a alteração global no ciclo hidrológico está impactando o Brasil fortemente, reduzindo as chuvas principalmente no Nordeste brasileiro e na região central, segundo Artaxo.
“Essas não são projeções para o futuro, é o que já está acontecendo hoje. Todos os modelos climáticos mostram que o aumento da temperatura reduz a precipitação no Brasil central. E o que estamos observando é que essa seca na maior parte do país é uma combinação de todos esses impactos juntos”, afirma o professor.
Uma das previsões mais óbvias do aquecimento global é que em algumas áreas continentais, em particular o Nordeste brasileiro e a região central, vão se tornar mais secas, de acordo com Artaxo.
“A própria vazão do rio São Francisco diminuiu significativamente. Regiões do Nordeste brasileiro que eram áreas semiáridas já estão se tornando áridas. Não é previsão para o futuro, isso já está acontecendo agora”, afirma.
Atualmente o aquecimento global é causado principalmente por emissões da queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural.
Calcula-se que 83% de todos os gases de efeito estufa lançados na atmosfera vêm da queima de combustível fóssil e 17% das emissões globais vêm de desmatamento de florestas tropicais. O Brasil é de longe o maior emissor de gases de efeito estufa por causa do desmatamento, de acordo com o pesquisador.
“Os gases de efeito estufa já aumentaram em 1,4 grau a temperatura no Brasil central e estamos indo na trajetória de ter um aumento de temperatura de 3 a 4 graus. Isso vai reduzir significativamente a chuva e vai dificultar a produtividade agrícola.”
Para frear esse processo, segundo o professor, é preciso fazer muito mais do que economizar água.
“O que tem de fazer são duas coisas: parar o desmatamento da Amazônia e fazer pressão nos países desenvolvidos para que eles reduzam a emissão de gases de efeito estufa com a queima de combustíveis fósseis. Sem isso a gente vai ficar enxugando gelo”, afirma Artaxo.
“É perigoso entrar nesse argumento de economizar água. Nós vamos ter de economizar água nos próximos 50 anos? Mesmo que pararmos de desmatar a Amazônia hoje, se os países desenvolvidos não pararem de queimar combustíveis fósseis, o Brasil vai continuar a se tornar cada vez mais seco.”
Um fenômeno natural responsável por chover menos na Região Sul do Brasil é o La Niña. A última vez que ele chegou ao país foi no segundo semestre de 2020 e durou até o começo de maio de 2021, provocando uma estiagem severa no Sul, que atingiu também o estado de São Paulo.
O La Niña é um fenômeno que, ao contrário do El Niño, diminui a temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico tropical central e oriental. Mas, assim como o El Niño, gera uma série de mudanças significativas nos padrões de precipitação e temperatura no planeta.
O que acontece é que o La Niña muda o padrão de ventos na região equatorial, que se tornam mais ou menos intensos, e isso muda a chegada das frentes frias da região sul em direção a São Paulo.
Assim, o fenômeno reduz as chuvas na porção Sul do Brasil, e isso pode ter repercussão em São Paulo dependendo de sua intensidade. Ao mesmo tempo, o La Niña leva mais chuva ao Norte e ao Nordeste. Em 2021, especificamente, isso já vem ocorrendo com intensidade maior no Norte, de acordo com Côrtes.
O G1 tem mostrado que tem chovido menos do que a série histórica na região metropolitana de São Paulo. Em abril, seis dos sete mananciais que abastecem a região metropolitana de São Paulo tiveram déficit de chuvas. No Sistema Cantareira só choveu 10,8% do esperado no mês, um déficit de 89,2%.
Em maio, a situação se repetiu em seis dos sete mananciais que abastecem a região metropolitana de São Paulo. A queda de chuvas chegou a 48% no Sistema Cantareira.
O déficit de chuvas na região metropolitana de São Paulo deve continuar nos próximos meses, que são tradicionalmente mais secos, e avançar inclusive para o verão, quando normalmente chove mais, de acordo com Côrtes.
“O prognóstico é ruim. Estamos em um período de estiagem que está ainda mais seco que o usual. Quando voltar o período de chuvas em outubro, o prognóstico é que haverá um novo La Niña, então novamente a região sul vai ser comprometida com menos chuvas. Tudo indica que teremos primavera e verão tão secos quanto no ano passado e começo deste ano, e novamente teremos dificuldade de recarga nos reservatórios”, diz Côrtes.
Esse cenário de estiagem permanece a até o segundo semestre do ano que vem, de acordo com o especialista. Na região central, em Goiás e Minas, o prognóstico é de redução da estiagem com a chegada do verão.
“Alguns reservatórios vão conseguir acumular água, mas não a ponto de reverter a situação. Se tivermos a entrada de um El Niño no ano que vem, logo após o término do La Niña, ele só vai fazer efeito no segundo semestre de 2022, trazendo chuvas”, afirma Côrtes.
Em nota, a Sabesp afirmou que modelos de previsão climáticas têm limitações e vêm apontando chuvas inferiores às médias. Por isso, a Companhia reforça a importância sobre uso consciente da água não só na estiagem, mas em qualquer época do ano, tema de campanhas permanentes da empresa.
De acordo com a Sabesp, “não há risco de desabastecimento neste momento na Região Metropolitana de São Paulo, mas a Companhia reforça a necessidade do uso consciente da água.”
“É importante destacar ainda que a demanda atualmente na RMSP é inferior à registrada antes da crise de 2014 (como resultado da mudança de hábitos pela população e das campanhas permanentes de uso consciente): 70 mil L/s no primeiro trimestre de 2013, ante 63 mil L/s no primeiro trimestre de 2021.”
“A Sabesp vem realizando nos últimos anos ações que estão ampliando a segurança hídrica e tornando o sistema de abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo mais resiliente, com destaque para:
• Integração do sistema, envolvendo 155 reservatórios e 10 áreas de interligações, o que permite transferências rotineiras entre regiões, conforme a necessidade operacional. A capacidade de transferência de água tratada foi ampliada em 300% desde 2014;
• Interligação Jaguari-Atibainha, que traz água da bacia do rio Paraíba do Sul para o sistema Cantareira;
• Novo Sistema Produtor São Lourenço;
• Centro de Controle dos Mananciais (CCM), com sistemas automatizados para acompanhamento de níveis dos reservatórios e pluviometria e tomada de decisões.”
“Estão em andamento atualmente:
• A interligação do rio Itapanhaú, principal obra para reforçar a segurança hídrica na RMSP, inicia operação no fim de 2021 transferindo 400 L/s desse rio para o Sistema Alto Tietê. Até julho de 2022, serão em média 2,0 mil L/s;
• As interligações Rio Grande-Taiaçupeba e a Guaió-Taiaçupeba serão reativadas em 2021 após terem suas estruturas modernizadas;
• Está ativa a campanha Cuide Bem da Água, Cuide Bem de Você, sobre uso consciente.”
Por Bárbara Muniz Vieira, G1 SP — São Paulo