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Renda mensal do Ceará tem a segunda pior média do Brasil, aponta IBGE — Foto: Foto/Reprodução Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil
Recebendo uma média de R$ 2.071 por mês em 2024, os trabalhadores do Ceará têm a segunda pior média de salários no Brasil e ficam abaixo da média nacional de rendimento. O Ceará fica atrás inclusive de estados economicamente menos desenvolvidos, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do IBGE.
Nesta reportagem, o g1 conversou com pesquisadores e especialistas para entender o motivo de os trabalhadores cearenses terem a segunda pior remuneração do país.
Segundo a pesquisa, o rendimento real habitual do brasileiro é de R$ 3.225 por mês, com um aumento de 3,7% em relação ao estimado em 2023.
O Ceará está entre os 18 estados que ficam abaixo dessa média. E amarga o segundo pior rendimento do país, ficando à frente apenas do Maranhão, que aparece com rendimento médio de R$ 2.049.
A desigualdade educacional e a alta taxa de informalidade são fatores que ajudam a explicar esse cenário, conforme João Mário de França, professor do programa de Pós-Graduação em Economia na Universidade Federal (UFC) e pesquisador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste, vinculado ao FGV IBRE.
Ao analisar o ranking dos rendimentos no país, o pesquisador aponta que os estados do Norte e Nordeste ocupam as últimas posições e historicamente têm menor dinamismo econômico e piores resultados em níveis de escolaridade em relação às demais regiões.
Como explica, cerca de 41% da população acima dos 25 anos no Ceará não concluiu o Ensino Fundamental. Os dados são da PNAD Contínua da Educação, referentes a 2023. Esta defasagem dificulta a inserção no mercado de trabalho formal e nos cargos com melhores remunerações.
“A gente sabe que o Ceará está fazendo todo um esforço, nas últimas duas décadas, pelo menos, de melhorar a educação fundamental, o ensino médio, tem um avanço nas escolas em tempo integral, nas escolas profissionais. Mas como esse esforço é de 15 anos para cá, mais ou menos, você ainda tem muita gente que está no mercado de trabalho e que não se beneficiou dessa melhoria educacional”, pontua João Mário de França.
Além da baixa escolaridade, o mercado informal também está associado aos piores salários. Os dados do IBGE também mostram o Ceará entre os sete estados brasileiros que registraram taxas anuais de informalidade maiores que 50%.
O Ceará aparece na quarta posição deste ranking, com 54,9% de trabalhadores informais. Como pontua João Mário, esse índice no estado está acima da média observada no Nordeste, podendo explicar o menor rendimento em relação às outras unidades da federação.
“O setor informal paga salários muito baixos, principalmente porque é um tipo de trabalho que exige uma baixa qualificação. [No Ceará] é um emprego principalmente no setor de serviços, mas um setor de serviços de muito pouca exigência em termos de produtividade e qualificação, então a remuneração também acaba sendo baixa”, aponta o pesquisador.
Ainda de acordo com João Mário de França, outros estados, como no Sudeste, possuem ofertas de empregos com uma economia mais dinâmica. É o caso das indústrias, do setor financeiro e do mercado digital, que são vinculados a maiores salários e exigem mais qualificação.
Dificuldades no mercado formal levam trabalhadores a situações de precariedade — Foto: Arquivo
A tendência à informalidade tem refletido o desestímulo pelas condições de trabalho no mercado formal, segundo Reginaldo Aguiar, supervisor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Ceará.
Ele aponta que o Ceará tem taxas de desemprego inferiores a estados nordestinos com PIB semelhantes, como Pernambuco e Bahia. Para o supervisor, ter mais gente empregada e com salários médios mais baixos evidencia a precariedade do trabalho no estado.
“Para se ter uma ideia, tem hora que esse rendimento do cearense é tão baixo, que as pessoas desistem do mercado de trabalho. […] São empregos muito ruins, com jornadas extensivas demais. E o trabalhador começa a observar que aquele rendimento é insuficiente para dar conta da vida dele, além da qualidade dos péssimos empregos”, comenta Reginaldo.
Ele aponta que a reforma trabalhista, aprovada em julho de 2017, enfraqueceu as relações de trabalho e as convenções coletivas, nas quais sindicatos de empregadores e trabalhadores definem as condições e os direitos mínimos das categorias.
Desta forma, tem sido mais difícil para os sindicatos negociar e garantir benefícios que poderiam complementar os salários, como o auxílio-alimentação.
“Eu calculo há mais de duas décadas, e historicamente a cesta básica do Ceará é a mais cara da região Nordeste. Então, você tem um custo de alimentação significativo, você tem rendimentos muito baixos, de modo que, para mais dimensões da vida, sobra muito pouco”, contextualiza.
Para Reginaldo Aguiar, a busca pela informalidade também traz prejuízos aos trabalhadores, que tendem a enfrentar serviços exaustivos sem a cobertura social e os direitos básicos conferidos pelo emprego de carteira assinada.
O g1 questionou a Secretaria do Desenvolvimento Econômico do Ceará sobre o salário dos trabalhadores cearenses. A pasta informou que o assunto seria respondido pela Secretaria do Trabalho. Até a última atualização desta reportagem, nenhuma das secretarias havia comentado o assunto.
Continuar os investimentos públicos em educação é um dos caminhos apontados pelo pesquisador João Mário de França para que a população cearense possa acessar melhores oportunidades de salários.
Para o professor, outra ação do governo seria buscar requalificar as pessoas acima de 25 anos que estão no mercado de trabalho sem ter tido acesso à educação formal completa, contemplando tendências atuais e mecanismos para que ele se mantenha no mercado.
Ainda segundo o pesquisador, o modelo de isenções fiscais para atrair empresas para o Ceará tende a ser enfraquecido após a reforma tributária, que tem último prazo para começar a valer integralmente no dia 1º de janeiro de 2033.
“O estado agora vai ter que buscar empresas por outros mecanismos que façam com que a vinda da empresa não seja por um artificialismo de incentivo [fiscal], mas exatamente pela característica da economia. Então seria, por exemplo, melhorar a infraestrutura do estado, investir mais em estradas, aeroportos, melhorar o Porto do Pecém, a logística e o ambiente de negócios”, afirma João Mário.
O turismo, as energias renováveis e a economia digital são vistas por ele como potenciais para dinamizar o mercado de trabalho cearense.
Para Reginaldo Aguiar, a isenção de impostos para a instalação de empresas no Ceará é um modelo ultrapassado e que não impacta na melhoria da qualidade do trabalho para o cearense.
Ele considera que, mesmo recebendo isenção de impostos, estas empresas não têm investido o suficiente para melhorar as condições de trabalho e os salários dos funcionários.
“Nas últimas décadas, o estado trocou essa agenda de desenvolvimento por uma agenda de gerar postos de trabalho. Há empresas que praticamente ficam aqui com essas isenções e usando mão-de-obra barata. Elas quase não têm um efeito dinâmico na economia”, critica Reginaldo.
O supervisor aponta que uma das soluções seria atrair negócios que produzem bens para o consumo local, em vez de um modelo que prioriza as exportações. Desta forma, ele defende que a renda dos próprios moradores do estado seria levada em conta e mais valorizada.
Os baixos salários em comparação com outras regiões também podem afugentar as pessoas que se destacam no Ceará pela alta qualificação.
Conforme o professor João Mário de França, dinamizar a economia local é também uma saída para evitar a migração de talentos, retendo aqueles que buscam melhores remunerações, oportunidades de crescimento e a convivência em uma rede de profissionais igualmente qualificados.
Por Thaís Brito, g1 CE