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Ministério Público do Ceará recomenda que governo suspenda acordo com empresária sobre terras de Jericoacoara

Recomendação é que acordo fique suspenso até que mais informações sobre os documentos da fazenda Junco I sejam investigados. PGE-CE afirma que acordo já está suspenso desde reunião com Conselho Comunitário.

Vila de Jericoacoara, um dos pontos turísticos mais famosos do Ceará, está no centro de disputa sobre terras não ocupadas — Foto: Divulgação

Vila de Jericoacoara, um dos pontos turísticos mais famosos do Ceará, está no centro de disputa sobre terras não ocupadas — Foto: Divulgação

O Ministério Público do Estado do Ceará expediu recomendação, nesta sexta-feira (25), para que seja suspenso imediatamente o acordo em andamento entre a Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE) e a empresária Iracema Correia São Tiago sobre as terras da Vila de Jericoacoara. De acordo com a PGE-CE, o acordo já se encontra suspenso e nenhum título será emitido para a empresária até que o Conselho Comunitário de Jericoacoara apresente novas informações, no início de novembro.

A área que seria destinada a Iracema São Tiago após a negociação é de cerca 4,9 hectares, ou 49 mil m², na Vila de Jericoacoara.

De acordo com o MPCE, a recomendação foi motivada pela necessidade de investigar o histórico do imóvel Junco I, que se sobrepõe em cerca de 83% ao território da vila. Segundo o órgão, esta investigação busca compreender o aumento da área, que passou de 441,04 hectares para 924,49 hectares desde o período da compra, em 1983.

“Esse acréscimo de 483,45 hectares se sobrepõe a áreas públicas do Estado e da União. Além disso, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) indicou, em processo judicial, que ainda há dúvidas sobre a titularidade do imóvel”, comunica o MPCE.

A recomendação do MPCE é de que o acordo fique suspenso imediatamente até que seja feita uma análise detalhada dos documentos. O documento foi expedido por meio da Promotoria de Justiça de Jijoca de Jericoacoara. A recomendação foi feita ao Estado do Ceará, à PGE-CE e ao Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará (Idace).

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A recomendação adverte, também, que a omissão na adoção das medidas recomendadas pode resultar em medidas administrativas e judiciais cabíveis.

O órgão requisitou ao Estado, ao Idace e à PGE-CE a apresentação de documentos, como cópias integrais de processos administrativos e portarias relacionadas ao imóvel Junco I.

Segundo o MPCE, o documento foi encaminhado ao Juízo da Comarca de Jijoca de Jericoacoara, ao prefeito e ao presidente da Câmara Municipal, além de órgãos como o ICMBio e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Outras informações sobre o histórico do terreno e levantamentos topográficos foram requisitadas ao Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Acaraú e ao Cartório de Registro de Imóveis de Jijoca de Jericoacoara.

De acordo com a PGE-CE, o acordo já se encontra suspenso desde o dia 16 de outubro, após reunião com o Conselho Comunitário de Jericoacoara. Neste encontro, que aconteceu dias depois do primeiro protesto realizado pela comunidade, o grupo recebeu um período de 20 dias para trazer novas informações ao caso.

Em nota, a PGE-CE informa que, apesar da recomendação do Ministério Público, o acordo celebrado já está suspenso após reunião com a associação local. O prazo para o Conselho Comunitário apresentar novas informações ao processo se encerra no dia 4 de novembro.

“Após referido prazo e quando apresentadas as documentações, serão analisadas as provas e as evidências porventura juntadas ao processo, bem como promovidas as diligências necessárias, sendo, ao final, emitida posição sobre a matéria”, diz a PGE-CE.

A Procuradoria informa, ainda, que o exame final da documentação apresentada pelo Conselho deve ocorrer conforme o rigor legal, reforçando o interesse institucional de proteger a vida e a rotina de todas as pessoas e estabelecimentos comerciais que atualmente estão na Vila de Jericoacoara.

Ao fim deste prazo de 20 dias dado para a comunidade, o Ministério Público do Ceará pode pedir outro prazo a partir das investigações acerca dos documentos solicitados aos diversos órgãos.

Entenda o acordo

Empresária apresenta documentos afirmando ter propriedade de mais de 80% da área de paraíso turístico no Ceará — Foto: Arte/g1

Empresária apresenta documentos afirmando ter propriedade de mais de 80% da área de paraíso turístico no Ceará — Foto: Arte/g1

Considerada um paraíso turístico, Jericoacoara, no Ceará, está no centro de uma disputa depois que uma empresária apresentou documentos dizendo-se proprietária de nada menos que 80% das terras da vila.

Iracema Correia São Tiago afirma que a vila fica quase toda dentro de uma de duas imensas áreas reivindicadas por ela (veja o infográfico acima). A mulher diz que, em 1983, seu então marido, José Maria de Morais Machado, adquiriu três terrenos na região, que deram origem à fazenda Junco I.

Na época em que procurou o Idace, em julho de 2023, Iracema apresentou a escritura ao instituto e fez uma proposta de conciliação.

Nessa proposta, Iracema cederia ao estado as áreas que estivessem tituladas a terceiros até dezembro de 2022. Isso corresponderia a 55,3 hectares (cerca de 62% da área da Vila de Jericoacoara). Em contrapartida, o restante da área deveria ser excluído da circunscrição da vila, e entregue à empresária (cerca de 38% da área da vila).

Imagens da família de Iracema Correia mostram José Maria Morais Machado em plantações de caju e coco na região em 1982 — Foto: Arquivo Pessoal

Imagens da família de Iracema Correia mostram José Maria Morais Machado em plantações de caju e coco na região em 1982 — Foto: Arquivo Pessoal

Os terrenos que Iracema São Tiago alega ser dona na fazenda Junco I foram comprados por seu ex-marido, José Maria de Morais Machado, em 1983. Após o divórcio deles, em 1995, ela ficou com as áreas. Cerca de 40 anos depois da primeira compra, ela reivindicou a posse dos terrenos.

Em resposta ao pedido da empresária, o Idace propôs que toda a área da Vila de Jericoacoara continuasse dentro da matrícula do estado, ou seja, não fosse destinada a ela. A defesa de Iracema não aceitou a negociação.

Com isso, em agosto de 2023 o instituto encaminhou o caso à Procuradoria-Geral do Estado do Ceará (PGE-CE). A PGE tem atribuição legal de defender direitos e interesses sobre o patrimônio imobiliário do Ceará. Recentemente, o órgão emitiu um parecer oficial apontando a legitimidade da escritura que Iracema possui.

A PGE-CE, então, fez uma contraproposta à empresária. Nesse acordo, segundo a Procuradora, conseguiu-se a renúncia dela de todas as terras que estivessem ocupadas por moradores ou quaisquer tipo de construções – mesmo estando dentro das áreas que ela reivindica.

Essas áreas, que correspondem a mais de 90% do que pertenceria à empresária, permaneceriam com o estado a fim de se dar continuidade ao processo de regularização da área, mantendo as pessoas em suas residências e o comércio local funcionando.

O que o acordo conduzido pela PGE-CE propõe que:

  • Iracema renuncie a todas as terras que, mesmo estando dentro de sua propriedade, estejam ocupadas com moradores ou quaisquer tipos de construções;
  • somente terrenos que ainda estavam no nome do Idace e que não estavam ocupados de alguma forma passariam à empresária;
  • e todas as vias e acessos locais da Vila de Jericoacoara sejam preservados.

O acordo da PGE com a empresária foi firmado, mas não implementado. A implementação está suspensa pelo prazo de 20 dias após moradores contestarem o acordo se reunirem com a PGE-CE, no dia 16 de outubro deste ano.

Por Thaís Brito, g1 CE

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