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O anúncio de doação imediata de vacinas dos Estados Unidos representa uma ajuda importante, ainda que pequena, para a imunização contra a Covid-19 no Brasil, avaliam especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
“Para quem não tem absolutamente nenhum estoque estratégico de vacina, qualquer quantidade já ajuda. Neste momento, cada ajuda, ainda que pequena, não pode ser criticada. Cada pessoa imunizada conta”, afirma o médico Alexandre Naime, chefe de Infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu (SP).
Segundo comunicado divulgado nesta quinta-feira (3), os EUA distribuirão 25 milhões de vacinas contra a Covid-19 a dezenas de países. Trata-se do primeiro lote de cerca de 80 milhões de imunizantes que os Estados Unidos se comprometeram a entregar a diversas regiões do mundo até o fim de junho — de AstraZeneca, Pfizer, Moderna e Johnson & Johnson.
Desse primeiro lote, cerca de 19 milhões de doses serão gerenciadas pela aliança Covax Facility, da Organização Mundial da Saúde (OMS), criada com o preceito de difusão justa e igualitária das vacinas contra a Covid-19.
Entre as regiões para as quais serão enviadas doses via Covax estão a América Central e a América do Sul, que juntas receberão 6 milhões de vacinas. Essa fatia precisará ser distribuída para 15 países, incluindo o Brasil, que juntos têm uma população que ultrapassa 400 milhões de pessoas. A quantidade de imunizante que será distribuída a cada país ainda não foi detalhada.
Para especialistas ouvidos pela reportagem, a doação dos Estados Unidos é considerada muito importante em razão da demora do governo federal para fechar acordos para a imunização no país.
Até o momento, cerca de 22% da população brasileira já recebeu a primeira dose de algum imunizante contra a Covid-19. O governo federal afirma que distribuiu pouco mais de 100 milhões de vacinas no país e diz que já firmou contratos suficientes para imunizar toda a população brasileira até o fim do ano.
Mas sucessivos atrasos nas entregas de insumos e de imunizantes produzidos em outros países têm comprometido o ritmo da vacinação no país. Em meio à corrida mundial pela vacina, atrasos na produção têm sido recorrentes em todas as regiões do mundo.
No Brasil, especialistas associam essas dificuldades ao fato de o governo federal ter ignorado, no ano passado, milhões de ofertas de vacinas que poderiam ter sido parcialmente entregues a partir do fim de 2020.
“O Brasil não optou por investir em vacinas no ano passado e assumiu os riscos. Não era questão de dinheiro, era questão de arriscar e comprar vacinas. O risco era mínimo”, declara o infectologista Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Os Estados Unidos contrataram doses de vacina suficientes para vacinar três vezes a população do país. Entre elas, estão cerca de 60 milhões de doses da AstraZeneca-Oxford, que há meses aguardam aval da agência reguladora sanitária americana, a FDA, para poderem ser aplicadas em território americano.
A possibilidade da remessa dessas doses ociosas vinha sendo discutida por integrantes do governo Biden e do laboratório responsável pela fabricação do imunizante pelo menos desde o final de fevereiro, mas àquela altura, com menos de 15% da população americana completamente vacinada, o governo resistia a essa possibilidade.
Principal adversária global dos EUA, a China já remeteu mais de 200 milhões de doses de vacina ao mundo — sem contar insumos como os utilizados pelo Instituto Butantan e pela Fiocruz.
O governo Biden dizia priorizar a vacinação de seus próprios cidadãos, mas a pressão doméstica e internacional por doses só aumentou de lá pra cá. A decisão de doar milhões de doses foi anunciada somente no mês passado, diante do rápido avanço do programa de vacinação contra a Covid no país.
O anúncio da doação de doses, nesta quinta, rendeu um comentário do embaixador da China no Brasil, Yang Wanming. “Melhor que nada”, escreveu em seu perfil no Twitter.
Desde março havia uma expectativa de um possível envio especial de vacinas contra a Covid-19 dos Estados Unidos ao Brasil. Isso teve início diante da explosão de casos e mortes no Brasil, quando todo o mundo voltou os olhos para a situação da pandemia nas cidades brasileiras.
No fim de maio, por exemplo, mais de 400 acadêmicos, entre brasileiros radicados nos Estados Unidos e americanos estudiosos do Brasil, lançaram uma carta aberta a Biden na qual pediram que o presidente contemple o Brasil com doação de vacinas contra a Covid-19.
A carta, à qual a BBC News Brasil teve acesso com exclusividade, exorta Biden a “fornecer rapidamente vacinas suficientes para retardar a disseminação e mutação contínua do coronavírus no Brasil”.
Ao anunciar a distribuição das vacinas, nesta quinta, os Estados Unidos não incluíram o Brasil como um parceiro direto. Sendo assim, o total de imunizantes a ser entregue ao país será definido pela aliança Covax, com base na quantidade disponível para a América Latina.
No ano passado, o governo federal decidiu solicitar doses para 10% da população por meio da Covax. A quantidade escolhida pelas autoridades brasileiras, que poderia chegar a 50%, foi a mínima possível.
Ainda não se sabe se a aliança levará em consideração a parcela de cobertura contratada para definir a distribuição dos imunizantes aos países.
Além das doses da América Latina, a Covax também distribuirá cerca de 7 milhões de doses para países da Ásia e aproximadamente 5 milhões para a África.
Outras 6 milhões de doses disponíveis, aproximadamente, serão distribuídas a parceiros dos EUA como México, Canadá e Coreia do Sul. Essa quantidade também deve ser entregue a países e regiões mais empobrecidos, como Cisjordânia, Gaza, Ucrânia, Haiti, entre outros.
Ainda não se sabe para quais regiões os EUA irão entregar as 55 milhões de vacinas que não estão incluídas no primeiro lote.
O infectologista Renato Kfouri avalia que o Brasil, o segundo em números absolutos de mortes pela Covid-19 em todo o mundo, vive uma “corrida contra o tempo” para vacinar toda a sua população. “Cada vez que se retarda a vacinação, acumulam-se mais mortes. O tempo corre contra a gente”, declara.
“A vacinação no Brasil impacta de maneira expressiva na mortalidade, por isso precisamos avançar rapidamente. Estamos registrando (em média) 2 mil mortes por dia, então essas doses são interessantes, porque qualquer quantidade de dose é muito bem-vinda”, afirma Kfouri.
Para o infectologista Alexandre Naime, a necessidade de receber as doses dos Estados Unidos reflete as dificuldades da vacinação no Brasil. “Infelizmente, o Brasil poderia ser protagonista e uma vitrine para o mundo de como fazer um bom programa de vacinação. Mas houve um atraso imperdoável em relação à aquisição das vacinas. O país deveria ter se colocado muito antes como pretendente a comprar diversas plataformas de vacinas”, diz.
Professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a advogada Maristela Basso avalia que a ação dos Estados Unidos em repassar as doses pode servir de estímulo para outras nações com excedentes e também podem estimular novos auxílios a países como o Brasil.
“É um passo importante dos Estados Unidos. Eles compraram em grande quantidade, então agora colaboram com o mundo. Diferentemente de um governo mais centralizado, voltado para si, esse é um movimento de multilateralismo, de aproximação com outros países”, diz.
“Oitenta milhões de vacinas é uma grande quantidade, mas se olhar para a quantidade dos países que precisam de imunizantes no mundo, é como um passarinho em um incêndio. Mas é importante, porque talvez sirva de estímulo para outros países, como os europeus, que podem ter vacina de sobra”, declara.
Por BBC